30 de abril de 2013

‘O jovem não é uma fatia de mercado. É o futuro’


Lua Blanco, atriz da novela “Rebelde”, lê carta enviada por fã
Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo

Para quem não sabe, estou em cartaz com um musical chamado "As coisas que fizemos e não fizemos" no Sesc Copacabana. A peça é estrelada por Lua Blanco, nome desconhecido por boa parte do público habitual do teatro carioca, mas bem popular entre adolescentes. Ela protagonizou a novela da Record "Rebelde", faz parte de um conjunto musical e possui mais de um milhão de seguidores no Twitter.

Por isso, as sessões têm estado repletas de jovens de diferentes idades e classes sociais. Pais e filhos, muitos deles indo ao teatro pela primeira vez. Meninos e meninas naturalmente excitados pela oportunidade de ver o ídolo de perto a um preço acessível.
O primeiro final de semana foi uma loucura. Uma jornalista descreveu assim:
"Acostumados a frequentar os shows do grupo, os fãs têm seguido a mesma conduta no teatro: não economizam na gritaria, tiram fotos incessantemente e tentam até agarrar Lua durante o espetáculo".
Esse comportamento dos jovens visivelmente irritava a parte do público que não fazia ideia do que estava acontecendo. O que, de certa forma, é justo. Eu, mais do que ninguém, entendo a implicância com pessoas tendo qualquer outro tipo de comportamento durante uma peça além de simplesmente assistir à apresentação. Até barulho de bala me distrai.
Então um grupo de amigos me perguntou se eu não estava mal com aquilo, se eu não achava que esse fenômeno estava prejudicando o espetáculo. Respondi que, de fato, era chato. Mas também que era apenas um preço a se pagar perto de um objetivo maior.
Na segunda semana comecei a bater um papo com a plateia antes do espetáculo começar. Uma conversa simples e rápida na qual explico, numa boa, com piadas e nenhuma ameaça, que não se pode fotografar, filmar ou falar durante a peça.
E, adivinhe só! Tivemos quatro apresentações só interrompidas por risos e aplausos. Nenhuma histeria, nenhuma foto. Meu apelido na coxia virou "Super Nanny".
Fiquei muito feliz, pois acho incrível contar com esse público. E, acima de tudo, sem subestimá-lo.
"As coisas que fizemos e não fizemos" faz parte de uma trilogia de peças que escrevi e apelidei de "Trilogia Xadrez". São os três primeiros textos que desenvolvi para o teatro, que refletem minhas experiências e gostos juvenis.
Peças repletas de citações a autores que marcaram minha adolescência, no teatro (Domingos Oliveira, João Falcão, Felipe Hirsh...) e no cinema (Woody Allen, Charlie Kaufman, Tarantino...). É a época em que só usava camisas xadrez. Então, além das pequenas conexões entre os personagens, também faço como ator as três produções, sempre vestindo alguma peça xadrez do meu armário.
"Stand up", a primeira parte da trilogia, estreou no início do ano também com a Lua no elenco. É um texto no qual cito os nomes de alguns dos meus filmes e diretores favoritos.
O resultado? Um grupo de fãs de "Rebelde" começou a me mandar mensagens dizendo que estavam assistindo filmes do Woody Allen e achando ele "muito engraçado". Uma menina que só lia "Crepúsculo" e afins me pediu sugestões de livros. Agora é fã de Nick Hornby, Lionel Shriver e Machado de Assis. Outra diz ter se identificado com o casal de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças". Sem contar com as várias que foram assistir a peça do Domingos Oliveira que eu fazia como ator.
E é uma delícia dividir meus gostos com eles. Meu musical é formado por canções da banda The Magnetic Fields, pouquíssimo conhecida no Brasil. É o grupo favorito da Clarice Falcão, talvez o auge da sofisticação jovem feminina, capa de revista e tudo mais. E agora, na saída do musical, outras meninas, das mais diferentes origens, também cantarolam apaixonadas as mesmas músicas que Clarice cantarolava quando tinha a idade delas. Isso não é incrível?
Em 2000 eu era um garoto de 11 anos, apaixonadérrimo pela protagonista de "Malhação", como os fãs da Lua. Tinha ido ao programa da Xuxa um ano antes, participado de brincadeira com direito a beijinho especialmente para ela. E lembro de ter corrido animado para tirar uma foto do Ronaldo quando o vi na rua. Sou filho de uma dentista e um analista de sistemas, fui criado ouvindo Roberta Miranda e Fábio Jr, em casa, longe de qualquer contato com a classe artística.
Mas, um dia, vi, por acaso, um filme do Woody Allen. Por causa disso, assisti a um do Bergman. Depois, um do Domingos. Aí fui ao teatro ver uma peça do Domingos. Então não parei mais de ir. E foi mágico para mim. Se eu conseguir passar essa magia para outras pessoas, terei cumprido o meu dever.
É muito fácil reclamar sentado em seu sofá que tal comédia popular fez milhões de espectadores e o seu "filme cabeça" ficou uma semana em cartaz sem fazer nada a respeito. Ou que o público jovem só quer ver stand up comedy no teatro sem pensar em opções.
Não estou querendo empurrar meu gosto para ninguém, claro. Desejo apenas compartilhá-lo, pois vejo o tempo todo produtos para o público jovem sendo concebidos na televisão e cinema brasileiros sem a menor preocupação em exibir algo que os desafie, que apresente algo novo.

O jovem não é uma "fatia de mercado". É o futuro.


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